A rodar XL

Desde os meados dos anos oitenta o Joe Henry arrasta a sua "Americana" de album em album sém se repetir ném se pervertir. Com muitos altos e alguns baixos o nosso homém continua a ser uma espécie de alter-ego do Tom Waits ou do Vic Chesnutt (ao qual ele faz uma faixa de homenagem). Detentor de uma pluma àcida, lucida e brilhante, a sua capacidade a corromper os codigos da musica popular americana é devastadora. Com ele o Jazz é luxuriante e sensual, a Folk é depravada e decadente e a Pop é austera e desencantada. Neste album gravado em casa e quase acustico ... os textos questionam sobre a arte, o amor, a espiritualidade acompanhados por uma musica organica e inventiva. Paradoxalmente este album pareçe menos satirico e envenenado do que os do passado ... e assim o homém apareçe menos arrogante e provocante. Mais um album brilhante de um gajo que decapa as aparências afim de mostrar a essência...

A atmosfera musical brumosa dos Cocteau Twins nunca facilitou o acesso ao universo do grupo. A rota de colisão permanente entre os riffs de guitarra do Guthrie e a voz nublada da Lisa Fraser desiquilibram o auditor. No entanto este impacto improvàvel cria a catarse aonde deveria subsistir o vazio. Este album distila uma beleza invulgar que aumenta escuta apos escuta até se tornar obcessional. A ultima faixa Musette and Drums é monumental de energia num entre-choque permanente, o que pode provocar colapsos intelectuais irrepressiveis. Os Cocteau Twins cristalisam neste album um concepto que ultrapassa a poésia melancolica do projecto "This Mortal Coil" ... pois por natureza improvável, coerente e criativo. O album do nascimento artistico de um grupo mitico...

O album da transição estilistica de um grande grupo dos anos 80. Com o Making Movies os Dire Straits afastam-se da sonoridade Roots/Folk-Rock dos dois primeiros albums para entrar numa zona mais complexa e dificil. O talento de guitarrista do Knopfler persiste evidentemente, mas desta vez é utilisado para sublimar o grupo e a presença do Roy Bittan (E-Street Band) é influente nesta atitude. O grupo vai criar e puxar até aos limites o esquema introdução/musica/resolução que serà a assinatura dos Straits. Povoado de faixas cinematogràficas, labirinticas e estructuradas como o cimento ... o album falha a ser uma obra-prima pela presença da ultima faixa que desiquilibra o todo. Não basta ser um imenso guitarrista para fazer um grande album e o Mark Knopfler compreende esta evidência aqui ... mas vai se esqueçer desde a saida do album, infelismente! O Making Movies é uma promessa sém amanhã do que poderia ter sido um imenso grupo de Rock ... mas é uma sacana de bela promessa !!!...

Apanhando a boleia do amigo Anibal enveredo pela obra do Archie Shepp com este album anterior ao Trouble in Mind mas na mesma configuração musical. Esta série feita com a editora dinamarquesa SteepleChase é atipica na carreira do saxophonista e uma alusão (directa) ao Going Home do Albert Ayler. O acento é posto no Blues mais do que no Jazz e na realidade o Shepp canta com o seu instrumento ... e de que maneira. A atitude visceral do artista assim que a potência evocadora dos "clàssicos" dà uma visão diferente de temas por demais conhecidos. O "Go Down Moses" é cantado como um Fado distilando uma tristeza sém fim, enquanto o "Goin' Home" anuncia Bluesy o retorno do Jazz ao sitio aonde nasceu. Estes Gospel's tocados de uma maneira incantatoria encontram no jogo fràgil e sincopado do Horace Parlan (é deficiente da mão direita...) um estojo de luxo. Um disco sobre a memoria e as feridas de um povo que ainda não deixaram de sangrar ... e dai a necessidade de as lembrar. O Archie Shepp em pura crise existencial invoca e busca a luz da redempção ... e nòs caminhamos com ele !!!...

Este ano de 1977 é o décimo aniversàrio da morte do John Coltrane e um periodo de questionamento metafisico para o Archie Shepp. O saxofonista regressa às origens (Ballads for Trane, Goin' Home...) em busca da clarividência e da energia para seguir para a frente. Este album é certamente o mais acessivel do Shepp e talvez um dos mais eufónicos. Na continuidade dos potentes ataques o artista desenha curvas e espirais suaves e organicas ... nunca o som do Archie foi tão quente. A gravação pela Denon assegura uma tonalidade feltrada mas dinamica que acentua o caracter intimo da obra. È patente a interiorisação e a meditação durante todo o album e o acompanhamento é discreto e empàtico. O Shepp diz ao Trane pela voz da musica a màgoa, a solidão, o desespero mas também a esperança ... atingindo por instantes uma comunhão fascinante com o som do Trane. Sém copiar ném inventar esta obra simples possui uma imensa potência interior que apazigua e hipnotisa. O Archie Shepp prova com este album que se tornou num imenso musico ... pois capaz de humildade!

Vasco Pimentel é pianista, discípulo de João Paulo Esteves e apreciador de Keith Jarrett e de Thelonious Monk. Nraj Kumar é um tablista nascido na India que, actualmente, reside em Portugal, actuando com frequência no Velho Continente, tendo-se notabilizado numa actuação histórica com Paco de Lucia. Hoje, testemunhei a actuação de ambos os músicos no Museu Nacional de Arte Antiga, mediante a transmissão, em directo, da Antena 2.

Depois, na 21ª hora do dia e na mesma estação emissora, dei ouvidos ao Teatro Sem Fios. A peça difundida foi «O avejão», escrita em 1929 pelo duriense Raul Brandão. Trata-se de um exercício interessante a escuta das vozes dos actores sem imagem.

Ao jogo de saber se o maior grupo de Space Rock são os Mogwai com o seu radicalismo cerebral, ou os japoneses Mono com as suas paisagens majestuosas e melancolicas ou ainda as diagonais de ruptura épicas dos Red Sparowes, eu digo que ... the champions are Explosions In The Sky!!! Escutem este monumento esculpido à força de guitarras, distorção, bateria marcial e muita ousadia. Uma musica épica, potente e energética que deixa aperceber nos raios de claridão melodias inspiradas e uma beleza singular. As harmonias e riffs de grande pureza são rasgadas nos momentos exactos o que prova um contrôle do "tempo musical" fantàstico. Uma viagem sém falso ritmo do começo até ao fim que fascina pela alternância entre a grandiloqência e a fragilidade. Um dos albuns do Post que vai ficar para a posteridade é certo ... e que deve dar pesadelos aos outros grupos que navigam nas mesmas àguas...

Um album de clàssicos do jazz em piano solo mas diferente dos outros. O Bugge Wesseltoft desvia como sempre do estereotipo e interpreta à sua maneira, então ... nada das fulgurâncias ritmicas do Keith Jarrett ou do lirismo de um Tord Gustavsen ou do Bill Evans. Aqui o piano brinca com o silêncio, estende-se no tempo e a emoção é sugerida num permanente jogo de sombras meditativo. Mesmo as melodias são desenhadas, apenas o suficiente para reconheçê-las ... sém enfase ném decoração superflua. Isto poderia ser visto como um trabalho humilde ... mas o pianista norueguês é demasiado ousado, então a escolha da austeridade como meio de expressão é voluntària. Uma obra suspensa no tempo que pode perturbar duràvelmente o auditor e que distila uma beleza simples e profunda. Um album a arrumar ao lado do It's snowing on my piano do mesmo artista ... e a escutar nesses dias aonde precisamos da essência e não da ornamentação...